Num artigo publicado no Nouvel Observateur, o filósofo esloveno diz que a Grécia não está preparada para sair do euro e que primeiro será preciso arrancar o controlo do aparelho de estado, que continua a ser um feudo da direita e da “máquina clientelar corrupta”.
Apoiante do Syriza nas últimas eleições, Slavoj Zizek comenta a situação política grega após a assinatura do terceiro memorando e do “choque devastador” da passagem do ‘Não’ do referendo ao ‘Sim’ a Bruxelas.
Mas em vez de o comparar, como Varoufakis, ao tratado de Versalhes, Zizek prefere fazê-lo com o de Brest-Litovsk, assinado pelos alemães e soviéticos em 1918. “Para grande consternação de muitos apoiantes, o governo bolchevique, ao assinar esse tratado, cedeu às exigências alemãs exorbitantes. É certo que bateram em retirada, mas isso permitiu-lhes beneficiar de espaço para respirar e assim fortalecer as bases do seu poder e esperar”, explicou Zizek, fazendo o paralelo com a Grécia de hoje: “esta história não acabou” e novas crises vêm a caminho, avisa.
“A tarefa do governo Syriza é de se preparar para esse momento, ocupar pacientemente as posições que deve ocupar, e considerar todas as escolhas possíveis. O facto de conservar o poder político nestas condições impossíveis oferece no entanto um pequeno espaço que permite prepara o terreno para uma ação posterior e para educar politicamente a população”, acrescenta Zizek.
O paradoxo grego apresentado por Slavoj Zizek resume-se desta forma: ao mesmo tempo que o memorando está condenado a fracassar, o governo deve aplicá-lo até à “próxima explosão”. “Porquê? Porque a Grécia, como é óbvio, não está por enquanto em posição de optar pelo grexit – ela não dispõe de um plano B que lhe permitisse conduzir com sucesso esta operação delicada e complexa”, argumenta o filósofo esloveno.
Ao conseguir mais tempo, o governo do Syriza deve aplicá-lo “a reorganizar radicalmente as instituições sociais e políticas da Grécia, corrompidas desde longa data”, defende Zizek. O filósofo discute ainda a linha política dos dissidentes da Plataforma de Esquerda – que criaram um grupo parlamentar próprio chamado Unidade Popular e vão a eleições contra o Syriza. Para Zizek, a defesa da saída do euro não responde ao elevado endividamento privado de cidadãos e empresas (que não pode ser anulado como a dívida pública) e à dependência das importações europeias.
“Por outras palavras, onde se encontraria a Grécia em caso de grexit? Em qual “fora”? No “fora” onde está a Bielorrússia ou Cuba?”, questiona Zizek, respondendo citando Paul Krugman quando disse que “ninguém pode saber ao certo quais serão as consequências de um grexit”.
“Tsipras não será o novo Lula”
Zizek diz-se supreendido com o “nacional-populismo” revelado pelos dissidentes do Syriza, que considera “totalmente inaceitável”. E diz que é preciso rejeitar “dois mitos otimistas: o mito da plataforma de esquerda, de que haveria uma forma racional de fazer um grexit bem sucedido e gerar uma nova prosperidade, e o mito inverso (defendido entre outros pelo economista Jeffrey Frankel) que faz crer que Tsipras poderia tornar-se um novo Lula, aplicando ao pormenor o plano de resgate imposto ao seu país”.
Zizek defende que a escolha não está entre “capitulação ou grexit” e que o Syriza se vê na situação única e difícil de ser obrigado a fazer o contrário do que defende para evitar que os seus adversários recuperem o poder. Por isso, conclui Zizek, os inimigos do governo não são os da Plataforma de Esquerda, mas os que no atual cenário de derrota acabam por ser cooptados pelos vencedores, incluindo no próprio Syriza.