Dimitris Arkoudis, membro do comité central da Juventude do Syriza desde 2012 e estudante de Direito, falou ao infoGrécia sobre os primeiros sete meses do governo Syriza-ANEL, o confronto com as elites europeias, o referendo, o terceiro memorando e as perspetivas da Juventude para o futuro do país.
Entrevista de Ricardo Cabral Fernandes, em Salónica.
Como avalias os primeiros sete meses do Governo Syriza-ANEL?
O Syriza teve de enfrentar as elites europeias em negociações difíceis, tendo até sido alvo de uma chantagem que foi entendida, por toda a Europa, como um golpe de Estado. Nos seus sete meses de governação, o partido conseguiu levar avante algumas medidas a nível nacional, como a reabertura da televisão nacional [a ERT] e a readmissão de funcionários públicos despedidos pelo anterior governo. No entanto, entendemos que perdemos a batalha, que as elites europeias são demasiado poderosas e que subestimámos as suas capacidades, como a de nos expulsarem da Zona Euro e até da União Europeia. As principais conclusões a retirar são: temos de nos preparar para enfrentar a discussão sobre a dívida soberana, um assunto crucial para o que queremos fazer nos próximos meses, e ao mesmo tempo temos que manter viva a esperança que encetamos em Janeiro, mesmo que para isso tenhamos que enfrentar a oposição das elites europeias. Não apenas a oposição das elites do Norte da Europa, mas também das do Sul da Europa, principalmente dos partidos irmãos do Nova Democracia (ND) e do PASOK, e dos grandes meios de comunicação social.
Após as eleições de 25 de Janeiro, o Syriza fez uma coligação com os Gregos Independentes (ANEL) afirmando que era a única alternativa para se obter a maioria parlamentar, mas também o fizeram depois das eleições de 20 de Setembro. Que dizes desta nova coligação?
Sim, aconteceu após as eleições de 25 de Janeiro e, agora, nas de 20 de Setembro porque o Syriza não obteve, novamente, a maioria absoluta no parlamento. Foi obrigado, outra vez, a encontrar um parceiro de coligação. O Syriza escolheu o ANEL pelo facto dos outros partidos com assento parlamentar serem o Nova Democracia, partido com o qual não existe qualquer base para um acordo, o PASOK, que governou o nosso país nos últimos 40 anos em alternância com a ND, e o To Potami, que representa a corrupção no país, visto que o seu líder é um conhecido jornalista que há muitos anos estabelece relações com as elites gregas. O ANEL foi a única escolha possível para formar um governo que se oponha à neoliberalização e às políticas de austeridade, transmitindo uma importante mensagem para toda a Europa: é necessário fazermos coligações com outros partidos – mesmo que estes não sejam de Esquerda – para alcançarmos o governo e para transformarmos a Zona Euro e a União Europeia, construindo uma outra Europa. Se o Syriza se queria manter na governação então não tinha outra escolha senão fazer uma nova coligação com o ANEL.
Após a assinatura do terceiro memorando, Alexis Tsipras afirmou que não existia alternativa às políticas de austeridade. Não quer isto dizer que o Syriza se transformou num partido que aceita e adopta medidas neoliberais, tal o PASOK fez anteriormente?
Depois da assinatura do memorando muitos de nós ficaram em choque com o que aconteceu, mas não penso que o Syriza se tenha transformado num partido neoliberal ou num novo PASOK, porque o principal do seu programa, os seus valores, continuam a ser de Esquerda. O Syriza teve de tomar decisões difíceis. Este terceiro memorando não foi algo que quiséssemos ou que as classes baixas da nossa sociedade consigam suportar, mas a manutenção do Syriza no Governo é um instrumento que pode possibilitar uma reviravolta da situação, ultrapassar estas dificuldades e, acima de tudo, lutar contra este programa. Se acreditamos realmente que este memorando não pode ajudar a juventude e os trabalhadores, então ao estarmos no Governo podemos fazer a diferença na transformação da Europa, combatendo este mesmo memorando, embora o tenhamos assinado.
Num futuro próximo terão de aplicar medidas que aumentarão a pobreza e caso não o façam não receberão as tranches. Estão encostados à parede…
Esse foi o problema desde o princípio quando o Banco Central Europeu limitou a liquidez aos bancos gregos. Esse foi o dilema que Alexis Tsipras encontrou com as lideranças europeias antes de assinar o memorando, em Julho. Todas estas medidas são sem dúvida neoliberais e de austeridade, medidas que atacam as classes mais desfavorecidas da nossa sociedade. O combate a este memorando será certamente uma maratona e não um sprint, podemos ter perdido uma batalha, mas não a guerra. Se queremos fazer mudanças, aqui, na Grécia, então também temos de as fazer nos outros países europeus. Por isso é que a situação política em Portugal, Espanha, Irlanda e outros países europeus será fundamental. Esse será um dos factores que ajudará, tanto o Syriza, como todas as pessoas que não se revêm na austeridade, a combater este memorando. O Syriza está a ser forçado a aplicar o memorando na Grécia, mas quando houver margem para que o partido lute contra este memorando, irá fazê-lo. Será nesse momento que a Europa e os gregos saberão o que o Syriza é verdadeiramente.
Então, ao mesmo tempo que o partido faz parte do Governo e aplica as medidas de austeridade, este irá também combatê-las nas ruas com protestos… Não é uma contradição?
Compreendo que possa parecer bizarro. Apesar do partido apoiar o Governo no parlamento continua a procurar soluções para que as pessoas não sofram. Apesar de termos de aplicar este memorando também temos de delinear uma estratégia política para o combater nas ruas. Não queremos que seja aplicado.
Nesta nova fase de austeridade começa-se a falar da introdução de propinas, inicialmente simbólicas, no ensino superior, nomeadamente nos mestrados…
Não ouvi nada sobre o assunto.
Na Universidade de Aristóteles fala-se muito das propinas e já se começou a organizar uma frente estudantil para as combater. Caso as propinas avancem mesmo a Juventude do Syriza está a pensar avançar com a mesma estratégia na luta estudantil?
Sim, claro. Todas as medidas que ataquem os direitos da juventude e dos trabalhadores terão obviamente a nossa oposição. Se o partido que está no governo aplica medidas que atacam os direitos da juventude e dos trabalhadores, então a Juventude desse partido deve fazer tudo para as combater. É importante realçar que o Syriza e a sua Juventude são coisas diferentes do Governo. Não ouvi nada sobre as propinas e não acho que venham a avançar, mas tudo pode acontecer neste momento e nós cá estaremos, certamente, na luta.
Depois da assinatura do terceiro memorando a Juventude do Syriza perdeu 60% dos seus membros. Que estão a fazer para ultrapassar essa situação?
Foi muito difícil para nós e as suas consequências continuarão a repercutir-se num futuro próximo. Apesar das dificuldades decidimos continuar a ser membros da Juventude por querermos resistir e por acreditarmos que a esperança não morreu. Continuamos no governo e delinearemos um plano político para combatermos as políticas de austeridade e a neoliberalização.
No próximo 22 de Novembro teremos o segundo congresso da Juventude e a nossa organização já começou a discutir as questões que teremos de enfrentar nos próximos meses e anos: o Estado, a relação com o Governo, a forma como o partido pode combater o terceiro memorando e como fará para estar nas ruas. O objectivo deste congresso é estabelecer como, e com que orientações, construiremos uma estratégia que crie uma aliança com outras juventudes e partidos de Esquerda europeias para combatermos a austeridade.
Após a assinatura do memorando muita gente, tanto à direita, como à esquerda, chamou traidor ao Tsipras. O que respondes a esta afirmação? A derrota deveu-se à estratégia do partido ou ao facto de Alexis Tsipras ter alterado as suas posições?
Acho que chamar alguém de traidor não é solução nenhuma. É como se disséssemos que se retirarmos o traidor e o substituirmos por outra pessoa tudo ficará bem. Temos que admitir que fizemos alguns erros na nossa estratégia. O principal erro foi acreditarmos que as elites europeias não tinham como nos expulsarem da Zona Euro. Schäuble já tinha delineado um plano para retirar a Grécia do Euro durante cinco anos, ao mesmo tempo que nos dava algum dinheiro para gerirmos a crise humanitária. Tsipras teve de lutar contra um dilema: sair da Zona Euro e fazer default ou ficar dentro da União Monetária e assinar este memorando. Decidiu pela segunda opção porque assim podemos, ao sermos governo novamente, lutar contra este memorando e recuperar o nosso poder. Não acho que tenha sido um traidor, mesmo que o desenrolar dos eventos tenha desapontado enormemente a maioria dos gregos. Todavia, as últimas eleições mostraram que estes continuam a acreditar no Syriza, que não pensam que Tsipras é um traidor ou que o partido se tenha transformado num partido neoliberal, mas que fomos chantageados e que este memorando não foi algo que quiséssemos.
A estrutura organizacional da Juventude manter-se-á ou farão alterações?
Em princípio, a estrutura manter-se-á, mas tudo será decidido no congresso. Um dos objectivos é que a Juventude seja mais aberta a novas pessoas. Pela minha experiência, acho que muitos jovens têm algum receio em participar em organizações partidárias de Esquerda e isso é algo em que temos de trabalhar e ultrapassar como organização, da base ao comité central da Juventude.
Como estão as vossas relações com os restantes movimentos e partidos da Esquerda?
Temos enfrentado alguma oposição nas manifestações. De certa forma, até compreendo, mas algumas dessas pessoas, com que agora nos damos mal, até há dois meses eram nossos camaradas. A oposição dos movimentos e partidos da Esquerda contra o Syriza estende-se à sua Juventude, mas nós precisamos de ir para a rua demonstrar que não apoiamos a austeridade. Não é uma escolha, é uma necessidade.
Se um movimento quer atingir um objectivo, então temos de permitir que todos os que não se revêm no status quo participem. Temos de encontrar um consenso para que todos participem na luta e não acredito que o verdadeiro inimigo da Esquerda seja o Syriza ou a sua Juventude, mas as elites europeias que matam refugiados no Mediterrâneo e que empobrecem as pessoas com a austeridade.
Com esta nova situação que a Juventude enfrenta qual é a vossa implantação junto dos jovens?
Pode parecer uma surpresa, mas há muitos jovens que continuam a querer ser membros da Juventude do Syriza e que entram em contacto connosco. Estamos a construir, novamente, as nossas ligações com os movimentos sociais, com os estudantes e os jovens trabalhadores. É fundamental para nós inserirmo-nos na sociedade. Só assim poderemos representar as suas reivindicações e tornar-nos mais fortes para as lutas que virão.
Mas qual é a vossa implantação concreta, por exemplo, nas universidades?
Na universidade também tivemos uma separação na organização estudantil ligada à Juventude [nas universidades gregas as juventudes dos partidos criam organizações paralelas]. Agora estamos a tentar construir tudo de novo, de raiz. Acredito que não perdemos a nossa credibilidade, que continuamos a ser atractivos para muitos jovens estudantes e que, em breve, conseguiremos crescer.
Achas que o Syriza irá colapsar se continuar a aplicar austeridade?
Se o Syriza aplicar a totalidade do memorando também irá colapsar. O objectivo do partido não é aplicar a totalidade do programa. Temos de explicar a situação real – não vamos mentir ou esconder a verdade – para que os gregos percebam que estamos a fazer o possível para combater a austeridade.
Como vês a Unidade Popular e como estão as vossas relações?
Como podes compreender, depois da separação o diálogo entre os membros dos dois partidos é difícil. Acho que a Unidade Popular cometeu o erro de tentar persuadir os gregos de que o programa de Salónica seria aplicado, sem dificuldades, assim que o Syriza fosse governo. É uma das razões porque julgo que a Unidade Popular não conseguiu entrar no parlamento. Além disso, não tiveram, e continuam a não ter, um plano preparado para sair da Zona Euro. Não pode haver apenas um slogan que se diz nos jornais, é preciso um plano concreto e preparado para que, se sairmos do Euro, os gregos não passem fome. Não se conseguiram apresentar como alternativa.
O Syriza está a preparar um plano para sair da Zona Euro?
Na presente situação temos de examinar todas as alternativas. O Syriza nunca acreditou que a saída da Zona Euro fosse benéfica para as classes mais desfavorecidas. O principal objectivo do partido é alterar a Europa por dentro, criar uma outra Europa, mas penso que pelo facto do nosso plano inicial ter falhado devemos começar a construir um outro plano, em conjunto com os movimentos sociais e a sociedade em geral, para decidirmos o melhor para país. A saída ou permanência na Zona Euro será uma escolha que os gregos terão de fazer e não será o Syriza a tomá-la sozinho. Temos todos de discutir a saída da Zona Euro, e não apenas a nível nacional, mas também em conjunto com os restantes partidos de esquerda europeus.