O representante grego no FMI na altura do primeiro memorando da troika trouxe novidades à Comissão de Auditoria e Verdade da Dívida. Panagiotis Roumeliotis revelou que antes do primeiro memorando houve encontros discretos em hotéis de Washington entre representantes do Fundo e dos governos de Paris e Berlim sobre a restruturação. Ficou aí afastada qualquer hipótese de participação dos bancos desses países num corte de dívida da Grécia.
A recusa de franceses e alemães, cujos bancos detinham, respetivamente, 60 mil milhões e 35 mil milhões de euros de dívida grega, só serviu para se “sacrificarem os interesses dos cidadãos gregos face aos bancos estrangeiros, que ganharam tempo para liquidarem as obrigações antes do ‘haircut’ que só ocorreu em 2012”, afirmou Panagiotis Roumeliotis aos deputados da Comissão. Mas este corte de 105 mil milhões de euros deixou de fora a dívida detida pela troika, que entretanto absorveu a dívida que estava nas mãos dos bancos estrangeiros. O novo empréstimo da troika para cobrir as perdas deste “haircut doméstico” foi de 115 mil milhões. Feitas as contas, em vez de diminuir, a dívida acabou por aumentar.
“O principal erro no primeiro memorando em maio de 2010 foi não ter incluído nenhuma restruturação da dívida”, reconhece agora Panagiotis Roumeliotis. O ex-representante da Grécia no FMI diz que é por isso que o Fundo não vai cair no mesmo erro de há cinco anos. A haver acordo até ao fim do mês, só incluirá o FMI se houver corte na dívida da Grécia, defendeu Roumeliotis.
O antigo responsável disse ainda que no início da década não era segredo para Bruxelas, e em particular para o comissário Almunia, que as contas gregas não refletiam a realidade. Mas Roumeliotis não acredita que a Comissão algum dia reconheça os erros cometidos, dado que isso podia dar lugar à exigência de reparações por parte de Atenas.
“Toda a gente sabia que a dívida era insustentável”
“Nos meios financeiros era sabido que a dívida grega era insustentável e que a Grécia nunca iria pagar”, disse aos deputados, sublinhando que em 2010 nem o governo de Atenas nem a União Europeia estavam interessados em reconhecer essa realidade. “O programa estava destinado à nascença a ser um desastre económico e humanitário”, prosseguiu Roumeliotis.
Os responsáveis pelo resgate que “só criou problemas e não resolveu nenhum”, na opinião de Roumeiotis, são tanto os governantes gregos como os parceiros europeus. “Na altura era necessário apenas um corte de 30% na dívida para dar folga à economia e não fazer um ajustamento brutal”, prosseguiu.
“Quem pagou o preço? O povo grego. E os outros, não são responsáveis?”, perguntou Roumeliotis, lamentando que em vez de reformas para combater os cartéis da economia grega, os credores prefiram impor a liberalização de alguns setores, como o das farmácias. “Duvido que isso vá trazer crescimento”, criticou.
“O FMI ligou-me para lembrar da minha cláusula de confidencialidade…”
Em seguida, Roumeliotis apontou baterias ao antigo governador do Banco da Grécia por ter alinhado com Jean-Claude Trichet, quando o BCE se opôs à restruturação da dívida. Giorgios Provopoulos terá advertido o governo grego que em caso de restruturação da dívida, o Banco Central Europeu cortaria o financiamento aos bancos gregos.
A questão da manipulação da informação durante o período que precedeu o primeiro memorando também foi tratada neste depoimento, com o ex-representante grego no FMI a dizer que os jornalistas foram manipulados de forma a repetirem que a dívida grega era sustentável, o que foi prejudicial ao interesse público. O próprio FMI organizava reuniões/sessões de formação para os jornalistas gregos, admitiu.
Roumeliotis referiu-se ainda à atenção internacional sobre o trabalho da Comissão de Auditoria. Ao ponto de há poucos dias lhe terem telefonado do FMI, só para o lembrarem que está amarrado a cláusulas de confidencialidade que o impedem de falar sobre decisões tomadas no âmbito do Fundo e que não tenham sido tornadas públicas…
Antes da passagem pelo FMI, Roumeliotis foi conselheiro de Andreas Papandreou e ministro da Grécia nos anos 80, prosseguindo carreira política como eurodeputado do PASOK. Atualmente é vice-presidente do maior banco grego (o Piraeus Bank, cujo presidente também foi conselheiro de Papandreou).