Numa sessão que encheu o Fórum Lisboa, personalidades de vários quadrantes políticos expressaram a sua solidariedade com o povo grego na resistência à brutalidade de uma União Europeia que se transformou “numa ditadura sobre as democracias”.
Centenas de pessoas estiveram esta quinta-feira no auditório do Fórum Lisboa para a sessão pública “A crise europeia aos olhos da Grécia”. Helena Roseta deu as boas vindas no local onde habitualmente reúne a Assembleia Municipal a que preside, lembrando que há poucos dias naquela sala foram aprovadas duas moções de solidariedade coma Grécia, propostas pelo Bloco de Esquerda e o PAN.
José Reis: “Declaro-me dissidente desta Europa punitiva”
A primeira intervenção coube a José Reis, através de uma mensagem video, em que denunciou que o “projeto europeu foi usurpado por políticos autoritários” que deixaram “uma Europa desfeita por instituições sem cultura nem projeto”.
“Resta-nos declarar-nos dissidentes desta Europa punitiva”, defendeu o diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, propondo “o início de uma nova construção europeia”, assente na paz, no emprego e nos direitos sociais. “A minha ambição europeia tem a voz da Grécia”, sublinhou.
Marisa Matias: “Os extremistas não estão no governo grego, estão nas instituições da troika”
A eurodeputada bloquista Marisa Matias, que passou por Atenas nos últimos dias, defendeu que “se uma União Europeia no seu funcionamento normal não comporta um governo de esquerda, já não é um projeto que interesse. Uma democracia são eleições em que todos podem ganhar, senão não é uma democracia”.
Contra esta “Europa do partido único, que é a antítese da Europa plural e diversa”, cabe aos democratas “mandar abaixo este regime”. “Os extremistas não estão no governo, estão nas instituições da troika”, prosseguiu Marisa Matias, lembrando que pela terceira vez em poucos anos, Merkel, Schulz e Dijsselbloem “estão em campanha em Atenas para evitar que se ponha em causa o partido único. Ficaram preocupados quando nas eleições ganhou um partido fora do arco da corrupção”.
Eugénio Rosa: “É melhor ser livre um dia que andar de cócoras e submisso toda a vida”
O economista e dirigente comunista Eugénio Rosa considerou as exigências dos credores “uma ofensa ã dignidade”, perguntando “como é possível uma interferência tão grande com os eurocratas a definirem o imposto da eletricidade que os gregos têm de pagar”. E criticou os responsáveis políticos portugueses por espalharem a “mentira” de que Portugal está a salvo de qualquer contágio, dando o exemplo da banca, que investiu 60 mil milhões em dívida portuguesa. “Quando o juro desce, o valor da dívida aumenta. Mas se os juros dispararem, o valor dos títulos reduz-se. Isto pode resultar da saída da Grécia e terá efeito dramático na banca. Quem paga em ultima instância são os contribuintes”, resumiu.
Eugénio Rosa comparou alguns dados oficiais do Eurostat sobre o efeito da receita da austeridade na Grécia e em Portugal para que se perceba bem como aquele país viu a sua economia e sociedade devastadas nos últimos anos. E explicou que o funcionamento do euro condena os países periféricos à austeridade perpétua, enquanto a Alemanha lucra com a moeda única com saldos positivos na balança comercial. “É melhor ser livre um dia que andar de cócoras e submisso toda a vida”, concluiu Eugénio Rosa a propósito do desafio democrático a que os gregos vão responder no domingo.
Hélia Correia: “Alguma coisa começa a ligar-nos ao passado da Grécia: é a dignidade de um povo”
A escritora Hélia Correia abriu a sua intervenção lendo parte de um “texto com 2500 anos”, o relato de Túcidides do discurso de Péricles sobre a distinção de Atenas em relação aos outras civilizações. “Como amiga da Grécia apetecia-me fazer como Lord Byron e partir para combater ao lado dos gregos pela sua libertação. Mas hoje é difícil fazer o mesmo porque não sabemos contra quem dar os tiros”, lamentou.
Hélia Correia deixou uma reflexão a partir de experiências pessoais de como a economia se tornou “um mistério divino que nos convida a dobrar os joelhos e ouvir a missa em latim” e como isso contribuiu também para um processo de desumanização nos últimos anos. A escritora defendeu a necessidade de um regresso à praça pública, que permita às pessoas exporem “pensamentos que nos acompanham há tanto tempo: o que nos aconteceu? E como aconteceu?”. “Quando ouço falar o Syriza a dizer que o povo é que manda ali, alguma coisa começa ali a ligar-nos ao passado: é a dignidade de um povo”, concluiu.
Freitas do Amaral: “A União Europeia passou a ser ‘uma ditadura sobre democracias’”
Freitas do Amaral não pôde estar presente por razões familiares mas enviou uma mensagem muito aplaudida pelos presentes. O ex-presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas defendeu ter sido “um grave erro da Europa, e de Portugal, não ter respeitado, minimamente, a vontade do povo grego” quando elegeu o Syriza para governar em janeiro. “É difícil de acreditar que em todas as reuniões de Bruxelas o resultado tenha sempre sido de 18-1. Onde estão os moderados? Onde os membros da Internacional Socialista? Onde os poucos Democratas Cristãos que ainda restam?”, perguntou.
“A inflexibilidade negocial de Bruxelas, e os sucessivos “diktats” de Berlim, mostram que a U.E. passou a ser “uma ditadura sobre democracias”! Há que combater isso, enquanto é tempo”, defendeu Freitas do Amaral, louvando os EUA, a Rússia e a China por defenderem uma solução que mantenha a Grécia no euro. “Só os cegos é que não vêem, não querem ver, e têm raiva a quem já percebeu tudo!”, prosseguiu, concluindo que o aproximar de um “momento perigoso” para o mundo exige “coragem e lucidez”, e não “cobardias e cegueiras ideológicas”.
Francisco Louçã: “No tempo da crise grega finaram-se as meias palavras: paz à sua alma”
Francisco Louçã falou do efeito da crise grega para a Europa, numa altura em que “Sarajevo e Versalhes são evocados para falar da Grécia e ao mesmo tempo nos dizem que o que os separa é pouco: um quinto do BPN ou 20 Gaitans”. “A Europa ficou gelada com o referendo” e entrou “em modo de golpe de estado”, acusou o economista, lembrando que “nunca na história da zona euro houve um ultimato como este” e pondo em contraste a ajuda aos bancos espanhóis e irlandeses com a decisão de Draghi para fechar os bancos gregos. “O mais grave é que eles sabiam de tudo” sobre o fracasso da austeridade, prosseguiu Louçã, dando o exemplo do relatório agora divulgado pelo FMI a dizer que sem 20 anos de carência no pagamento da dívida e uma grande restruturação não há nenhuma possibilidade de pagar a dívida.
“As autoridades gregas ignoraram a crueza dos adversários, para quem a legitimidade democrática nunca é um argumento. Nesta Europa de partido único só há lugar para partidos de correia de transmissão”, sublinhou Louçã, resumindo a “única regra do euro: quanto pior melhor”. “Temos um Reich por 20 anos que é o tratado orçamental”, acusou, rejeitando os argumentos dos que à esquerda ainda dizem querer reformar a Europa. “No tempo da crise grega finaram-se as meias palavras: paz à sua alma. Ou a esquerda se redefine contra a submissão ou será submissa. Não existe esquerda na resignação europeia”, concluiu.
Manuel Alegre: “Agora também há visto prévio de Bruxelas aos governos eleitos”
Manuel Alegre prosseguiu no mesmo tom contra as ameaças de Berlim e Bruxelas, que “querem que os gregos ajoelhem para que fique claro que não pode haver alternativa”. “O problema já não e só a austeridade, mas a liberdade”, disse o poeta fundador do PS, sublinhando que “já havia orçamento com visto prévio, mas agora também há visto prévio de Bruxelas aos governos que são eleitos”. Alegre também classificou como “uma vergonha” a posição do governo português e do Presidente da República sobre o que se está a passar na Grécia. “Substituem a razão de Estado pelo seguidismo perante os que mandam na Europa”, acusou.
Os socialistas europeus também não ficaram de fora das críticas: “A crise da Europa é a crise da Internacional Socialista e dos que se dizem socialistas e estão a permitir esta vergonha que está a ser feita”, acrescentou Alegre. “O medo está a progredir mas a história não acaba aqui. A Grécia já nos deu uma lição de dignidade. E só por isso a Grécia não será vencida”, concluiu.
Pacheco Pereira: “Os gregos podem falhar, mas resistiram”
A intervenção final coube a Pacheco Pereira, que falou de patriotismo com paralelos em acontecimentos históricos: os conjurados de 1640, os colonos americanos em 1765 ou a resistência francesa em 1940. “Todos eles escutaram os apelos à razão, todos ouviram ameaças”, mas todos eles lutaram contra a realidade que lhes impunham como inevitável. “Portugal devia ser o único sítio onde o meu voto manda. Mas andam a encolher o meu voto e cada vez manda menos”, prosseguiu o historiador.
“Por isso o destino dos gregos não é indiferente. Houve um governo que resistiu a cortar mais salários e pensões e defendeu o seu pais de ser controlado por estrangeiros, esses tecnocratas pedantes que são os adultos dentro da sala”, acrescentou Pacheco Pereira, não esquecendo “os socialistas que acham que são membros suplentes do Partido Popular Europeu”. E tal como nos exemplos de resistência que marcaram o destino de Portugal, EUA e França, os gregos também “podem falhar, mas resistiram” em nome da dignidade e do seu país, rematou Pacheco Pereira.