“Só haverá grexit se a zona euro desabar”

Grigoris Zarotiadis

Grigoris Zarotiadis é Professor de Economia Internacional na Universidade de Aristóteles, em Salónica, Grécia, desde 2009. Integrou as listas do PASOK para as eleições legislativas de 2009 e 2012, assumindo uma posição crítica face às políticas de austeridade. Em 2013 decidiu sair do partido para fundar o “Perspectiva Socialista”, partido que decidiu não concorrer nas eleições de Janeiro e de Setembro de 2015


Entrevista de Ricardo Cabral Fernandes, em Salónica, para o infoGrécia.


Na sua perspectiva quais são as causas da crise do sistema capitalista que actualmente vivemos?

Antes de mais, considero que vivemos um período de uma profunda crise sistémica na perspectiva marxista, ou seja, uma elevada acumulação de capital e um aprofundamento das desigualdades entre as classes sociais e regiões do mundo, que, por sua vez, enfraqueceram a procura efectiva e criando uma crise de sobreprodução em consequência da incapacidade de encontrar consumidores para uma série de produtos e serviços. Por outro lado, e como é típico nas crises sistémicas de acordo com a perspectiva marxista, deu-se uma sobre-acumulação de capital, sendo que este não foi veiculado para o sector produtivo. Este fenómeno faz parte de uma tendência muito característica nos nossos tempos em consequência da alteração do funcionamento do sistema capitalista com a crescente autonomia do capital financeiro. Historicamente, o capital financeiro sempre assumiu uma importante posição no funcionamento do sistema, mas ganhou uma crescente importância nas últimas décadas, desenvolvendo a tendência de se auto-reproduzir sem passar pela produção de bens. Essa mesma tendência fortaleceu o não investimento do capital acumulado no sector produtivo da economia, a que se veio a somar a crise de sobre-produção.

Como é que a Grécia se insere nesta crise do sistema capitalista?

Penso que existe um grande debate: será o sistema capaz de ultrapassar a crise que produziu em consequência das suas contradições internas? É uma questão que terá de ser debatida noutro nível, porventura sistémico e não nacional. Mas independente disso, o futuro da Grécia, mas especialmente do Sul da Europa, nesta nova fase poderá passar pelo fornecimento de produtos com grande especialização e de qualidade. Vislumbro esta oportunidade por causa das alterações do próprio sistema e que estão a criar nos mercados desenvolvidos uma elevada procura de bens com elevada especialização e qualidade. Em vez de economias com sectores produtivos de escala e com preços baixos, a Grécia, e o Sul da Europa, podem-se especializar em produtos como o azeite, o vinho ou mesmo outros produtos ou serviços em que possamos ter vantagens comparativas.

Mas a elevada especialização e qualidade das economias do Sul da Europa não criarão um confronto com as economias altamente especializadas do Norte da Europa, principalmente a Alemanha?

Acho que não. É vital existirem economias dinâmicas nas regiões onde se vendem os produtos, caso contrário não existirá procura nessa área para absorver as mercadorias das economias do Norte da Europa. Por isso mesmo, caso fôssemos propor aos nossos parceiros europeus do Norte da Europa um plano realista que incentivasse o desenvolvimento económico no Sul da Europa, estou certo que eles não o veriam apenas como competição, mas numa perspectiva de desenvolvimento de uma forte criação de riqueza no Sul da Europa, o que, por sua vez, iria criar mercados internos para as suas próprias economias poderem exportar e escoar a sua produção. Penso que existem características entre o Sul e o Norte da Europa que tornam estas duas regiões complementares e não antagónicas. As economias do Norte da Europa desenvolveram-se ao longo dos tempos com base na sua História e razões económicas específicas, criando economias de escala. Por outro lado, no Sul da Europa não temos economias de escala e talvez nem deveríamos ter. Podemos é fazer o oposto: desenvolver economias baseadas na especialização e na qualidade. Se juntarmos estes dois modelos de economias, então poderemos melhorar a capacidade de produção e competição das economias europeias no plano mundial. Mas não é apenas uma questão de melhorar a competitividade europeia e de fortalecer a sua posição a nível internacional, mas também de dar um papel económico integrado ao Sul da Europa através de uma perspectiva geral que dê azo a uma abordagem de posicionamento no panorama mundial.

Quando Yanis Varoufakis se reunia com o Eurogrupo e falava de economia, utilizava argumentos económicos lógicos, mas os parceiros europeus não quiseram ouvir…

Antes de mais, penso que é verdade que ao nível das negociações ao mais alto nível todas as alternativas e propostas encontraram uma enorme oposição do consenso neoliberal. Sem dúvida alguma. Mas penso que a experiência dos últimos meses mostrou-nos o quanto difícil será, mas, por outro lado, mostrou-nos também os erros que o Governo grego fez nessa situação. Erros que têm de ser evitados no futuro quando tivermos de negociar novamente para alterar a relação de forças na Europa. Quais foram esses erros? O primeiro foi não termos preparado um plano geral, realista e radical para propor. O que tínhamos eram várias ideias, umas mais engraçadas, outras muito inteligentes, outras muito radicais, mas não um plano económico geral e radical como deveria ser para mostrar aos parceiros do outro lado que sabemos o que queremos fazer e como o vamos aplicar, além do povo também o saber. O segundo erro foi pensarmos que à medida que o tempo passava a nossa posição se fortalecia. Ao invés, à medida que os meses se iam seguindo a nossa posição enfraquecia e enfraquecia por causa da fuga de capitais. Estes dois erros levaram o Governo grego até à etapa final da vitória no referendo, mas aí a posição já era demasiado frágil. Os parceiros europeus já sabiam que não tínhamos o tempo, as reservas de capital nem um plano realista para restabelecermos a economia e enfrentarmos os problemas da sociedade grega. Apesar de saber que as negociações para qualquer alternativa serão difíceis, acho que se desenvolvermos uma alternativa tanto ao nível nacional como europeu e agirmos rápido e decisivamente na luta por essa mesma alternativa o resultado poderá ser diferente no futuro.

Durante a semana do referendo ocorreu um forte desenvolvimento de movimentos sociais a nível europeu. Imagine, agora, se o Governo grego tivesse incentivado à criação destes movimentos em Fevereiro com a realização de um referendo logo após as eleições. Se o Governo grego estivesse bem preparado e com um plano estruturado, realista e radical e bem comunicado por toda a Europa, em Fevereiro a força dos movimentos sociais europeus poderia ser enorme e, consequentemente, a posição de força que o Governo grego teria junto dos seus parceiros europeus. Em suma, foi um erro deixar o tempo passar e uma fraqueza não se ter um plano bem delineado que pudesse ser posto em prática logo a seguir às eleições.

Após a assinatura do terceiro memorando assistiu-se a uma desmoralização generalizada. Como entende o cenário político que se formou nestas eleições?

Uma das consequências desta crise, mas principalmente nestes últimos meses pós-memorando, é o facto da sociedade grega não vislumbrar actualmente qualquer alternativa política e económica. Além disso, o presente parlamento será, na minha opinião, muito estável. Não necessariamente o governo e os partidos que o suportam, mas o parlamento enquanto instituição. Os partidos tentam diferenciar-se entre si com base em pequenos temas e questões, mas no fundo a grande maioria dos partidos parlamentares aceitam o consenso neoliberal, quer gostem ou não. Isto significa que no momento actual o parlamento possui uma grande maioria de forças políticas pró-memorando e mesmo que o Governo Syriza-ANEL não seja capaz de se manter na governação por um longo período, as mudanças de formação de governo poderão ocorrer no mesmo parlamento, ao mesmo tempo que se continuará a cumprir o terceiro memorando em vez de se marcarem eleições antecipadas. Prevejo que o actual parlamento se manterá em funções pelo menos mais dois ou três anos. Por outro lado, a aplicação deste terceiro memorando irá degradar profundamente as condições de vida para a maioria da sociedade, o que significa que o distanciamento entre o parlamento e a sociedade se intensificará. O vácuo que existe no sistema político, nomeadamente no espectro político da Esquerda socialista, será cada vez mais evidente nos próximos meses e anos. Pelo facto de não esperar eleições nos próximos anos, considero que é o momento dos movimentos sociais e dos partidos políticos se juntarem para ocuparem este mesmo vácuo político para se criar uma verdadeira alternativa.

Acredita que poderão ocorrer protestos como os de 2008?

Sim, talvez. Não ocorrerão no princípio da aplicação do memorando por os vários movimentos estarem concentrados nas suas áreas específicas. Dão a oportunidade das pessoas se expressarem, mas não muito mais que isso. Os movimentos estão fragmentados, não existindo um geral que conglomere as várias reivindicações. As condições objectivas estão presentes, mas as subjectivas ainda não estão maduras. Por condições subjectivas refiro-me à existência de um partido político que consiga capitalizar e transformar o descontentamento e as reivindicações da maioria dos gregos num programa político e que se apresente como alternativa política.

Desde 2010 que o grexit se encontra no debate político. Acredita que nos próximos anos a Grécia poderá sair do euro?

Acredito que se nos próximos anos houver a possibilidade do grexit será provavelmente devido aos problemas internos da zona euro e não por causa da economia grega. Ou seja, se o grexit ocorrer será como efeito colateral da demolição da zona euro.
Quanto ao grexit por escolha independente, acho improvável que aconteça, mas que será sempre um argumento para pressionar o sistema político. Na minha opinião, na realidade ninguém quer o grexit e há uma razão especial para isso: o enfraquecimento da zona euro. Mesmo que a importância da economia grega não seja grande a comparar com o todo das economias europeias, a sua saída pode ser um perigo enorme para a zona euro.

Acha que Wolfgang Schäuble, o ministro das finanças alemão, não queria o grexit?

Penso que Schäuble não queria verdadeiramente a saída da Grécia da zona euro, mas que utilizou essa possibilidade como um instrumento de pressão política, sabendo que a maioria da sociedade grega não quer que isso ocorra. Por outro lado, e se me pergunta sobre a necessidade de se ter uma moeda nacional, penso que esta é um instrumento fundamental, mas discordo se a considerarmos como o principal na análise política.

Se alguém pretende mesmo agir contra o consenso neoliberal na zona euro pode dar-se o caso do confronto levar-nos ao próprio grexit. Uma outra coisa é reconhecê-lo e estar bem preparado para essa eventualidade, outra é colocar a saída do euro na linha da frente da argumentação e das propostas políticas. Penso que a sequência dos passos a dar é outra: primeiro, propor à sociedade um programa holístico, socialista e radical para a reconstrução da economia do país; segundo, entrar em negociações com os parceiros europeus e afirmar que se está preparado para o aplicar com a ajuda dos parceiros ou sem eles; terceiro, se não for possível aplicar o programa dentro da zona euro, então temos de estar preparados para o aplicar fora da União Económica e Monetária. A sequência destes passos é crucial para a legitimação democrática das tomadas do Governo para a sociedade, mas também na criação de maiorias de apoio nos restantes Estados da União Europeia, mas principalmente nos membros da zona euro.

Referiu-se brevemente ao futuro da zona euro. Pode desenvolver?

Não prevejo um futuro brilhante para a zona euro, especialmente se não formos capazes de agir contra o aprofundamento das desigualdades entre os seus Estados-membros. Este é o primeiro problema.

O segundo, e está interrelacionado com o primeiro, é o alto grau de endividamento não dos Estados mas das economias como um todo. Um dos indícios são os números dos passivos dos bancos europeus, que prefiguram 250% do Produto Interno Bruto (PIB) da zona euro. Actualmente este é um dos maiores problemas da zona euro e para o resolvermos é necessária uma política de investimento no sector produtivo, além de propostas políticas que diminuam as desigualdades económicas entre o Norte e o Sul.

O terceiro são os mecanismos essencialmente financeiros que a zona euro utiliza para resolver os desafios com que se confronta. Ou seja, é preciso aprofundar os mecanismos políticos dentro da zona euro para que esta não se baseie unicamente em instrumentos financeiros. Mas aí outra questão se coloca: se conseguirmos pensar no aprofundamento das instituições políticas, quem deve ficar responsável pela tomada de decisões nos diferentes assuntos? E como podem estas decisões ser legitimadas? Será uma legitimação tecnocrata ou democrata? Por estas questões serem difíceis é que o debate político, tanto entre os actores políticos como entre a sociedade em geral, não se encontra maduro o suficiente. Estas são as razões do porquê não vislumbrar um futuro brilhante para a zona euro.

O Governo grego está em vias de começar a negociar a reestruturação da dívida. Qual é a melhor estratégia e qual o melhor tipo de reestruturação?

Acho que a reestruturação da dívida é um assunto secundário. Pode-se dizer que esta posição é invulgar, mas acredito vivamente nisso. Penso que o Governo Syriza-ANEL trouxe este assunto para a linha da frente do debate político por razões políticas, por quererem camuflar a sua transformação neoliberal. Eles dizem “tivemos de aceitar a aplicação do terceiro memorando, mas conseguimos a reestruturação da dívida nos próximos meses”. Mesmo que a reestruturação da dívida venha a acontecer, tivemos, por outro lado, de privatizar os aeroportos, o fornecimento de água, os diferentes sistemas de saúde e educação, liberalizar ainda mais o mercado de trabalho, fazer mais cortes nas pensões. Se aceitamos estas medidas e ao mesmo tempo temos a reestruturação da dívida, no final as perspectivas de futuro para a maioria da sociedade serão ainda piores que anteriormente. A dívida não é um assunto crucial, mas um assunto que precisamos de discutir e encontrar soluções para que o Estado a pague mais facilmente. O principal é discutir as características económicas deste país e de como pode criar riqueza e se desenvolver de uma forma que garanta os direitos sociais e que proteja o ambiente.