Maria Kyriakidou, professora na Universidade de East Anglia e investigadora no projeto Euro Crisis in the Press, discute o novo relatório “Media Policy and Independent Journalism in Greece” e explica os desafios que se apresentam aos meios de comunicação gregos, nos quais a população deposita cada vez menos confiança.
Não há, talvez, nenhum outro campo que ilustre tão bem até que ponto o clientelismo está tão profundamente entranhado na cultura política grega do que o setor dos media. Os políticos, os meios de comunicação e o mundo dos negócios funcionam há muito como um “triângulo de poder”, onde os interesses privados e políticos se emaranham intrinsecamente e onde os media funcionam como os meios através dos quais estes interesses se jogam. Esta paisagem árida do mundo dos media é pintada ao pormenor no relatório recentemente publicado com o nome de “Media Policy and Independent Journalism in Greece”. Tendo como base uma investigação detalhada, que inclui entrevistas com atores fundamentais, os autores Petros Iosifidis e Dimitris Boucas descrevem os desafios que o panorama dos media gregos apresentam a políticos e jornalistas.
O pano de fundo do triângulo de poder que domina o sistema dos media gregos é um enquadramento de regulamentação fraco e inconsistente, incapaz de monitorizar e de controlar os interesses estatais e privados. A desregulamentação do mercado que teve lugar no fim dos anos 80, início dos 90, permitiu a proliferação dos media privados, mas não para bem da pluralidade dos meios de comunicação. Pelo contrário, conduziu a um mercado mediático excessivamente aumentado e financeiramente insustentável, com altos níveis de concentração da imprensa nas mãos dos empresários gregos com interesses noutros setores da economia, muitos deles dependentes de contratos públicos, tais como os transportes, as telecomunicações, ou a refinação. Neste contexto, os media privados são desde há muito usados como meios poderosos de influenciar o governo e como plataformas de lucro indireto, pelo reforçar de relações com os políticos e pela aquisição de contratos estatais.
Esta condições têm-se exacerbado e, tal como se diz no relatório, o “triângulo de poder” tem-se estreitado durante a crise financeira que atingiu a Grécia mais severamente do que qualquer outro país europeu. Em condições de austeridade, as vendas e os lucros da publicidade declinaram, tornando os contratos públicos ainda mais importantes na obtenção de receitas pelos donos de meios de comunicação, o que transformou os media em megafones das políticas de austeridade do governo. Ao mesmo tempo, o encerramento de uma série de plataformas de comunicação, impressa e eletrónica, inevitável num mercado atingido pela crise e com excesso de oferta, deteriorou gravemente as condições de trabalho dos jornalistas, aumentando o desemprego, a insegurança laboral e o trabalho freelancer pago a preços mínimos. Estas pressões, combinadas com ataques contra jornalistas pela parte da polícia e de grupos extremistas, incluindo o partido Aurora Dourada, transformaram o jornalismo numa profissão precária e puseram a Grécia em 91º lugar, a nível mundial, na edição de 2015 do Índice de Liberdade de Imprensa.
Um momento de viragem crucial
O encerramento da ERT, a emissora estatal grega, após uma decisão chocante e unilateral tomada pelo então governo, no verão de 2013, foi um momento crucial na queda dos meios de comunicação gregos. Para além dos despedimentos, de um dia para o outro, de milhares de trabalhadores, a decisão de fechar a ERT foi um ataque direto à ideia de serviço público. Este conceito nunca foi completamente desenvolvido no sistema dos meios de comunicação gregos, tanto por causa dos níveis de corrupção no setor dos media privados, como pelo facto de que a ERT foi sempre um canal estatal, e não uma emissora de serviço público. Representava, no entanto, o que o país tinha de mais parecido com serviço público e era a única emissora que não estava aprisionada a interesses privados. A pluralidade dos media foi também minada pela sucessora da ERT, a disfuncional NERIT, cujo pessoal foi nomeado diretamente pelo governo.
Uma consequência importante do encerramento da ERT, coisa sublinhada claramente no relatório, foi a exclusão da emissora estatal da competição em curso para o controlo da Televisão Digital Terrestre. Num exemplo gritante de corrupção dos media e da pobreza do enquadramento regulamentar, dada a ausência da ERT como única concorrente forte, a Televisão Digital Terrestre é agora monopolizada pela Digea Digital Provider S.A., um consórcio das principais estações televisivas privadas, em que todas detêm a mesma percentagem. Não será uma surpresa que este desenvolvimento tenha sido pouco noticiado e, portanto, tenha estado ausente das discussões públicas.
Destrinçando o sistema
O estado disfuncional do sistema mediático grego, tal como está ilustrado no relatório, é o produto de uma longa história de intervenção estatal e de infiltração dos interesses privados. Como a política grega está, neste momento, numa encruzilhada, após o fim dos quarenta anos de dominância de dois partidos principais, a Nova Democracia e o PASOK, e a ascensão da esquerda do Syriza, o setor dos media também parece estar a passar por um período de transição. O Syriza, que não pertence à rede de poder que apoia e é apoiada pelos meios de comunicação gregos, tem sido vítima da cobertura pró-status quo e pró-austeridade dos media principais, expressa numa campanha alarmista contra o partido, cuja vitória foi apresentada como um risco para o futuro da Grécia na Zona Euro. O facto de que o Syriza jurou destruir os oligarcas gregos na sua campanha eleitoral alimentou ainda mais esta cobertura negativa feita pelos principais órgãos de comunicação social.
A primeira vitória na destruição da oligarquia dos media foi a prisão do magnata da comunicação social Leonidas Bobolas por evasão fiscal, no fim de Abril. Bobolas é diretor executivo da Ellaktor, uma companhia de construção, detendo também, em conjunto com a família, o grupo editorial Pegasus, que detém uma série de propriedades dos media, incluindo um canal de televisão principal, a Mega. Bobolas foi solto quase imediatamente, depois de pagar 1,8 milhões de euros. A sua prisão recebeu cobertura mínima nos media principais, tal como já acontecera com o aviso do governo no princípio de Abril de que os canais privados da Grécia devem, no conjunto, cerca de 25 milhões de euros. Isto só pode ser visto como o princípio de uma batalha para destrinçar o triângulo de poder que tem dominado o sistema dos media gregos nas últimas décadas. Tendo em conta que a corrupção dos media é tão grande e o facto de que o governo atual está a lutar numa série de frentes, esta batalha parece uma tarefa hercúlea.
Um desenvolvimento mais recente foi a reabertura da ERT, que estava agendada para 25 de Maio (até agora parece que o processo começou mas o canal ainda não retomou as emissões). A nova ERT comprometeu-se a funcionar de acordo com quatro princípios: transparência, pluralidade, inclusividade e independência de qualquer partido ou intervenção estatal. O governo, no entanto, já foi acusado de falta de transparência no que diz respeito à escolha dos elementos do painel executivo da ERT, escolha essa que foi vista como servindo os interesses do partido e as preferências pessoais do Primeiro Ministro e não o interesse público. O outro grande desafio com que o governo se deparará diz respeito às condições sob as quais a nova ERT será restabelecida. No seu manifesto de campanha, Alexis Tsipras prometeu voltar a contratar todos os funcionários da emissora estatal que tinham perdido o emprego com o encerramento da ERT. Há no entanto, dois pontos problemáticos nesta promessa. Primeiro, parece não dar conta da necessidade de reestruturação da ERT, que é uma instituição demasiado grande, principalmente considerando o tamanho do país. Em segundo lugar, uma série de funcionários da antiga ERT tinham sido nomeados através de um sistema de clientelismo, comum em todos os governos anteriores. Não é claro em que condições serão reintegrados estes funcionários.
O novo governo tem uma oportunidade real de reestruturar o setor dos meios de comunicação, de maneira digna de um país democrático. A batalha será previsivelmente dura mas, se o governo mantiver a sua promessa de transparência, terá o apoio público necessário para levar a cabo o desafio. Outro grande desafio, no entanto, e um que precisará de mais do que medidas a médio-prazo, é alterar a cultura cívica em geral. Um sistema de media dominado pela corrupção, pelas notícias dos tablóides, pela propaganda política e por uma ideia fraca (ou mesmo inexistente) de serviço público tem destruído a vida pública e a cultura política durante décadas. Salvo louváveis excepções, como o Unfollow ou o Press Project, o espaço de notícias online é igualmente caracterizado pela desinformação, pelas teorias da conspiração e por expressões de nacionalismo extremo e de xenofobia. A Grécia é o país da UE com níveis maiores de desconfiança dos meios de comunicação, combinados até há bem pouco tempo com os níveis menores de confiança no governo. Para mudar tudo isto e revitalizar a esfera pública, será preciso muito mais tempo e esforço organizado. A continuação do combate à corrupção nos media e uma condução sem erros da reabertura da emissora estatal, que se deverá tornar, finalmente, numa emissora de serviço público real, são apenas os primeiros passos no caminho certo.
Artigo publicado no blog do Media Policy Project da London School of Economics. traduzido por infoGrécia.