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Reforma da Segurança Social é teste decisivo para o governo

O governo propõe uma mudança radical num sistema à beira do colapso. Nas negociações dos gabinetes, os credores insistem no corte das pensões. Nas ruas, os trabalhadores manifestam-se e anunciam um mês de fevereiro marcado por greves.


O governo grego divulgou em inglês e francês as linhas gerais da sua proposta para reformar de alto a baixo a Segurança Social no país. “Não podemos ter estabilidade sem um novo sistema de pensões”, avisou esta segunda-feira o ministro das Finanças grego numa apresentação de um livro em Atenas.

Euclid Tsakalotos resumiu o que disse a Mário Centeno e a outros cinco ministros no seu périplo europeu: a Grécia não aguenta um 12º corte nas pensões, numa altura em que em boa parte do país a pensão de reforma está a servir de sustento de toda a família.

Um sistema à deriva e a acumular défices

No documento divulgado esta semana, Atenas sublinha a desigualdade que o atual sistema promove, desde logo pela existência de 930 formas diferentes de cobertura por parte do Fundo da Segurança Social (IKA) que tem um défice de mil milhões de euros, quase o dobro do défice do fundo que protege os profissionais liberais (OAEE). A unificação de regras para todos os sistemas é o objetivo desta reforma que pretende estancar as perdas provocadas pela crise financeira e criar uma entidade única de controlo.

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Os erros de gestão e o clientelismo na Segurança Social foram gritantes nas últimas décadas, destacando-se a aposta dos fundos de pensões na bolsa e na bolha dos derivados, que viria a provocar prejuízos enormes. Também os depósitos obrigatórios das reservas dos fundos no Banco da Grécia a juro insignificante e sem ter em conta a inflação foram degradando os saldos ao longo dos anos.

O documento calcula que o valor médio das pensões pagas aos reformados gregos tenha caído 41% com os 11 cortes aprovados desde 2010 pelos anteriores governos, num país em que 22% dos pensionistas se encontram em risco de pobreza. No mesmo período, o rendimento dos trabalhadores caiu 30%. Em 2012, a restruturação da dívida grega que salvou os bancos alemães e franceses e penalizou os credores internos abriu um buraco de 13 mil milhões na Segurança Social.

O aumento do desemprego, com a consequente redução das contribuições em 5.5 mil milhões de euros anuais, agravou ainda mais o panorama das contas da Segurança Social grega, a que se acrescentou uma redução de 4% nas contribuições patronais desde 2012. A explosão do trabalho não declarado equivale a 6 mil milhões de perdas anuais em contribuições, mais de metade dos profissionais deixaram de conseguir pagar as suas contribuições e o rácio pensionistas/ativos, que agora é de 1 para 1.7, tornou-se insustentável.

Proposta do governo: Unificar regimes, criar pensão universal e introduzir fator de redistribuição

Para evitar um novo corte nas pensões, o governo propõe agora a criação de uma pensão universal, no valor de 60% do rendimento médio. Chama-lhe um “um escudo antipobreza” financiado pelo orçamento e sem qualquer relação com as contribuições. O valor da pensão final será calculado com base no número total de anos de contribuições. É também introduzida uma cláusula de crescimento de pensões ao ritmo do crescimento da economia, o que abre (em teoria) a perspetiva de aumento do valor da pensão em caso de recuperação económica do país. E os idosos com menos de 15 anos de contribuições irão receber um Complemento Solidário.

Ao reforçar a pensão universal com a pensão resultante das contribuições, o governo introduz um fator redistributivo que diz beneficiar os mais pobres. A garantia de que não haverá cortes nas pensões – e que algumas das mais baixas poderão ter aumentos – é acompanhada da criação de um fundo único para todos os pensionistas, com regras uniformes. Nas tabelas divulgadas pelo governo, quem tenha rendimentos até mil euros e uma carreira contributiva de pelo menos 25 anos não fica a perder em relação à lei atual e pode mesmo beneficiar de um pequeno aumento. Ainda está por definir qual será o aumento da contribuição para o sistema que trabalhadores e patrões terão de arcar para pôr em marcha esta mudança.

Fevereiro é o mês do braço de ferro com credores, oposição e sindicatos

O compromisso do governo é apresentar a proposta aos deputados na primeira quinzena de fevereiro. Nas negociações com os credores, Tsakalotos tem defendido a “linha vermelha” estabelecida desde o ano passado: evitar que as pensões sejam cortadas pela 12ª vez nos últimos anos. Mas em Bruxelas e Berlim é sabido que esta reforma é determinante para o sucesso da primeira avaliação do memorando, que por sua vez abriria a discussão sobre a restruturação da dívida. A repetição da estratégia ensaiada no ano passado, de adiar o mais possível um acordo até que Atenas fique sem dinheiro para pagar salários e pensões e volte a ceder, começa a assombrar as negociações.

O ministro do Trabalho prevê que as negociações sejam “duras”, face à atitude dos credores que pretendem equiparar o sistema público de pensões ao do setor privado. Mas a oposição à reforma da Segurança Social já se faz ouvir nas ruas. As últimas semanas têm sido marcadas por protestos e greves, e um dos setores mais ativos tem sido o dos profissionais liberais, indignado com o aumento proposto das contribuições. Para o dia 4 de fevereiro está marcada uma greve geral, convocada pelas maiores centrais sindicais.

Segundo a imprensa noticia esta semana, o ministro do Trabalho prepara-se para recuar e fixar as contribuições em 15% dos rendimentos líquidos entre 12 e 20 mil euros, em vez dos anunciados 20%. No escalão acima, até aos 35 mil euros/ano, os profissionais liberais irão pagar mais 30% do que pagam atualmente para a Segurança Social. Katrougalos diz que associar a contribuição ao rendimento real do trabalhador introduz justiça e dificulta a fraude e evasão.

O governo calcula em 300 mil o número de profissionais liberais que não descontam e por isso não têm qualquer proteção do sistema. E propõe um regime transitório de cinco anos dirigido aos jovens, com um novo escalão mínimo de rendimento de 468 euros por mês para os primeiros cinco anos de profissão. A taxa contributiva será de 14% no primeiro ano, 17% no segundo e 20% a partir do terceiro.

O maior protesto das últimas semanas continua a ser o dos agricultores, contra a reforma das pensões e o aumento dos impostos a que serão sujeitos. Também aqui o governo promete alterações à proposta inicial, incluindo uma cláusula travão ao aumento das contribuições. Os agricultores dizem temer que a sua contribuição vá triplicar, mas o governo responde que quem paga 950 euros por ano irá pagar 1130 com o novo sistema, propondo limitar esse aumento a 50 euros por ano.