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Varoufakis: “A maior ameaça ao capitalismo é o próprio capitalismo”

Yanis Varoufakis. Foto União Europeia ©

Nesta entrevista ao diário suíço Le Temps, traduzida pelo infoGrécia, Yanis Varoufakis fala da crise do capitalismo, do futuro da tecnologia, das respostas à austeridade e das soluções para a Grécia.


Diz-nos que o capitalismo está em crise. Mas de qual capitalismo falamos, do anglo-saxão, do alemão, do chinês?

Certamente há muitas formas de capitalismo. Falo do capitalismo enquanto sistema global. Desde 2008, está em crise. É a crise mais longa e mais séria que atravessámos nos últimos 200 anos. Há semelhanças com alguns aspetos da crise dos anos 1920-30. Mas os responsáveis dos bancos centrais estão hoje mais habilitados a responder-lhe.

O que é que está a falhar?

Um exemplo: nos Estados Unidos e na Europa, nestes últimos três meses, o montante total dos investimentos ascendeu a cerca de 3.4 biliões de euros. Ao mesmo tempo, mais de 5 biliões ficaram parados sem fazer nada no sistema financeiro. Por um lado temos uma dívida extremamente elevada, por outro temos uma enorme quantidade de dinheiro inutilizado, que não é investido, que fica no circuito das instituições financeiras.

É um desperdício enorme que explica em boa parte a situação da Europa. Os bancos centrais fracassaram e ficaram sempre abaixo dos seus objetivos. No Ocidente, Japão incluído, até 30% das pessoas entre 18 e 50 anos estão em situação de não-emprego. É uma crise importante do capitalismo. Podíamos prosseguir a lista. Tudo o que fazia sentido até 2008, já não o faz. Temos uma crise de investimento, uma crise de dívida, uma crise de dinheiro parado. Nunca tivemos um nível de poupança tão elevado na Europa e investimentos tão fracos. Eis o problema.

“O socialismo está morto. Mas não podemos ficar à espera que o mercado crie um milagre”

E qual é o remédio? É preciso sair do capitalismo, será ele reformável?

A esquerda teve sempre o projeto de substituir o capitalismo pelo socialismo. Esse projeto morreu em 1991. Ela simplesmente não estava em posição de o levar a cabo. A maior ameaça para o capitalismo é o próprio capitalismo. Podemos ver isso na Euroa. A Europa não está ameaçada pela esquerda. Até um pequeno país dirigido pela esquerda, do qual fui ministro das Finanças, acabou por tomar medidas muito conservadoras, políticas pró-capitalistas, simplesmente para tentar estabilizar os bancos. Esta conversa devia ter tido lugar há um século, quando a esquerda tinha um projeto para substituir o capitalismo. Mas o socialismo está morto. Dito isto, se ficamos à espera que o mercado crie um milagre e organize uma saída desta crise, só podemos fracassar.

Que fazer?

A solução não pode vir apenas do mercado, é preciso ter em conta as pessoas. Os mercados são prisioneiros de profecias autorrealizadas que agravam os problemas. Porque não há investimentos? Porque os investidores, os industriais, os que controlam os biliões adormecidos, temem que se investirem o dinheiro, a procura não será suficiente para que seja lucrativo. Então não investem, não há procura, e isso confirma as expetativas negativas de que não haverá procura. O mercado apenas repete este esquema. Ao mesmo tempo, os Estados estão paralisados, incapazes de agir. Os Estados membros da zona euro estão já nos seus limites orçamentais, não podem endividar-se para gastar mais. Os Estados Unidos estão quase ingovernáveis com um Congresso que bloqueia a Casa Branca. A China já interveio bastante e não pode fazer muito mais.

Precisamos de uma coordenação política racional no seio do G20, sem a qual algo de terrível irá acontecer. Nos anos 1930, acabou por ser a guerra a produzir essa coordenação de política de intervenção. A inovação tecnológica intervém ao nível da micro-economia. Estes progressos têm tanto de prometedores como de inquietantes. Os novos desenvolvimentos na produtividade e os aparelhos que facilitam o trabalho são a chave do futuro. Isso pode ser triste ou agradável. A diferença virá da forma como os nossos governos, em particular ao nível do G20, respondam aos desafios.

O seu lado marxista a pregar uma solução política…

Tudo é política. A questão é saber se se trata ou não de um ato político racional, se é coordenado. A compra de um iPod, de um smartphone, de um automóvel, são atos políticos. O problema com o mercado é que todos esses pequenos atos políticos não estão bem coordenados. O capitalismo não é sustentável, mas a esquerda deitou a perder todas as ocasiões que teve, e todos os modelos teóricos, para substituir o capitalismo. Mas o capitalismo – é o meu lado marxista – é um sistema contraditório que produz sempre a sua própria Némésis desconstruindo a ordem social.

Voltemos à inovação: como torná-la “agradável” à sua vista?

Tomemos o exemplo das impressoras 3D, uma tecnologia descentralizada baseada na internet, que irá tornar cada vez mais improvável a sobrevivência das empresas tal como hoje existem. Porque precisamos de empresas? Por razões de estabilidade e de escala de produção, mas isso torna-se cada vez mais redundante. O modelo de capitalismo das empresas vem sendo enfraquecido pelos produtos dessas empresas. Sabendo que iremos ter uma decomposição do poder das empresas, a questão que se põe é a de saber quem as irá substituir. Estaremos a caminho de um cenário de segunda idade das máquinas, fracassando em produzir suficiente procura para os produtos dessas máquinas, ou encontraremos um caminho em que possamos restruturar a forma como nos relacionamos entre nós e com as máquinas para produzir e partilhar a prosperidade que as tecnologias tornam possível.

É uma questão política. Não pode ser resolvida pelos advogados, nem pelos compradores e vendedores. É preciso um esforço por parte dos governos, dos atores do mercado financeiro bem como do mundo das empresas. É preciso criar algo de novo, talvez lhe chamemos o pós-capitalismo. Em todo o caso, o tipo de acordo a que se chegue será altamente instável.

“O capitalismo europeu, por ser muito mais oligárquico, é muito menos capaz de autocrítica”

Como explica que os Estados Unidos, modelo do capitalismo, seja o país que melhor recuperou desde 2008 sendo ao mesmo tempo o principal crítico da austeridade da Europa?

Os norte-americanos são pragmáticos. Não são do género de desperdiçar o seu dinheiro. Quando Richard Nixon, no fim dos anos 1960, percebeu que o sistema de Bretton Woods estava morto (um sistema inventado pelos americanos nos anos 1940), destruiu-o. Os EUA pensam que o que fracassou tem de ser eliminado. Eles entendem que uma dívida insustentável deve ser destruída. Eles entendem que uma arquitetura financeira que se afundou deve ser substituída. Pelo contrário, o capitalismo europeu, por ser muito mais oligárquico, é muito menos capaz de autocrítica. No caso grego, os americanos, sejam representantes do governo ou de Wall Street, estão totalmente de acordo comigo quando digo que os problemas da Grécia desde 2010 são imputáveis aos banqueiros. Trata-se de simples bom senso.

Está desapontado com Alexis Tsipras por seguir a mesma política dos antecessores com um terceiro programa de ajuda europeia?

É evidente, por isso é que me demiti. É óbvio que sou contra, mas não quero personalizar, a política deve ser civilizada. Este terceiro plano é o mesmo que o primeiro ou o segundo. Prolongamos a crise, aprofundamo-la, fingindo que a vamos resolver pedindo ainda mais dinheiro aos Estados banqueiros em condições que nos arruínam. Será precisa mais uma década para que se dê conta que isso não vai funcionar.

Disse que a política de austeridade liderada pela Alemanha visava a França. O que quis dizer com isso?

Afirmei que a implosão da finança mundial em 2008 trouxe à luz do dia as fragilidades da arquitetura do euro. As regras que tínhamos acordado eram impossíveis de respeitar porque foram mal concebidas. Em vez de se questionar: de que novas regras precisamos para que isto funcione, a Europa ficou em negação. Foi nesse primeiro período que Bruxelas, Frankfurt e Berlim tentavam apenas apagar um fogo. Foi apenas uma gestão de crise. Mais recentemente, o Banco Central Europeu, graças a Mario Draghi que é o mais hábil condutor na Europa, conseguiu conter as chamas com algum sucesso. Isso permitiu ganhar tempo. Os políticos começam a refletir. Paris e Berlim estão de acordo para melhorar a arquitetura, há necessidade de unidade política por causa da união monetária.

Mas há uma enorme diferença quanto a saber que tipo de união política é necessária: os franceses querem muito mais reciclagem de excedentes da zona euro para os países deficitários, os alemães querem mais disciplina. Há um conflito direto. Neste combate, a Grécia foi confinada ao papel de laboratório. A que se deve esta desordem? Porque a sua relação é problemática, o diálogo não avança.

O ‘Grexit’ vai acabar por se impor?

Não. Nunca apoiei o Grexit, nem usei esse argumento como moeda de troca. Digo há muitos anos que não devíamos ter entrado no euro. Mas já que lá estamos, é preciso resolver o problema. O que defendo é que devíamos fazer o default da dívida. Quando temos uma dívida insustentável não podemos fingir que a conseguimos gerir. Devíamos pôr em causa um acordo que já mostrou que não funciona.

Refugiados: “Merkel foi absolutamente brilhante ao dar provas de humanismo num universo sombrio”

Hoje saúda a coragem de Angela Merkel na sua gestão da crise dos refugiados…

Não há nada que me alegre mais do que ver um adversário político fazer uma coisa boa. Sinto a obrigação de cumprimentar a Sra. Merkel. Ela foi absolutamente brilhante ao dar provas de humanismo num universo sombrio.

Berlim diz que pode mostrar-se generosa porque o seu orçamento está controlado. Isso não dá razão à sua gestão económica?

Isso nada tem a ver com o orçamento. Porque seria necessário um orçamento equilibrado? As famílias devem ter um orçamento equilibrado, mas isso é inútil para os países. Os EUA nunca tiveram um orçamento equilibrado desde a revolução. O que é preciso é um orçamento sustentável. Os Estados não têm de pagar a sua dívida, tudo o que precisam é de a refinanciar. Desde que se dirija uma política orçamental responsável, que o PIB cresça, pode manter-se um pequeno déficit. Se a Sra. Merkel tivesse um déficit superior a 3% teria ela deportado os refugiados ou fechado as fronteiras à sua chegada? Não acredito nisso.

A Suíça acabou com o segredo bancário. O que pensa da cooperação entre Berna e Atenas em matéria de troca de informação fiscal? Está satisfeito com a evolução?

Não. Há muito por fazer. Tive uma relação de trabalho muito boa com o meu homólogo suíço (nldr Eveline Widmer-Schlumpf) e estava pronto a trabalhar com os gregos que declarassem voluntariamente as suas contas na Suíça. Mas referia que a transparência anunciada para 2018 chegasse hoje. Sabemos todos que esta transparência foi imposta à Suíça pela União Europeia. Porque não a podemos ter imediatamente? Seria maravilhoso se o meu ministério – enquanto fui ministro – tivesse acesso aos dados dos cidadãos gregos, aos montantes dos seus bens nos bancos suíços. Isso teria facilitado a caça aos autores de fraudes e ajudado o nosso orçamento. Mas isso nunca aconteceu. A Suíça podia fazer muito mais.

Segundo as informações de que dispõe, quanto dinheiro grego existe nos cofres suíços?

Não sabemos.


 

Entrevista de Frédérik Koller no jornal “Le Temps”. Traduzido por infoGrécia.